terça-feira, maio 29, 2007

HEROES: o balanço da primeira temporada


Depois de 23 episódios e muita falação sobre a série-fenômeno da temporada, terminou (pelo menos para os gringos e para os downloadeadores apressados) a primeira temporada de Heroes. Ou o "Volume Um", como o criador Tim Kring prefere chamar. (Aliás, também já começou o "Volume Dois"; volto a isso mais adiante.)

Agora que acabou a temporada, é hora da reflexão. Heroes apareceu na mídia como algo inovador, com indícios de que seria uma revolução no mundinho dos enlatados norte-americanos. Não foi pra tanto, mas a série ressaltou o aspecto extra-TV de uma forma jamais vista.

Além da TV

Antes mesmo de começar as filmagens, os produtores da série fizeram direitinho a lição de casa. Heroes é (assumidamente) conseqüência direta do sucesso de séries como Lost e 24 Horas, em que o espectador precisa acompanhar todos os episódios desde o início. Pela presença de Jeph Loeb e Greg Beeman na equipe, é possível considerar que Heroes também é filhote de séries como Smallville e Supernatural, com seu uso de efeitos especiais de forma rotineira (algo que afeta drasticamente a rotina de produção). Em entrevistas, a equipe sempre ressaltou que os erros e acertos dessas séries guiaram muitas de suas decisões.

Outro aspecto muito interessante é a relação dos criadores com a imprensa. Tim Kring deu ótimas entrevistas antes e depois de momentos-chave da série (após a revelação da identidade do verdadeiro pai da Claire, por exemplo), sempre informando/revelando detalhes (sem spoilers) que trazem mais significado à mitologia da série e mostram que tudo tem um motivo (uma lição aprendida com a falta de informações sobre Lost). O ComicBookResources, um dos principais sites de notícias de HQ nos EUA, fez uma coluna semanal chamada "Behind the Eclipse", apresentando perguntas e respostas com dois dos roteiristas (são oito ou nove no total). Ali, além de responder à dúvidas sobre o episódio da semana anterior, os roteiristas colocavam desafios aos leitores, como descobrir o nome do Bennet (quem viu o episódio final já sabe!) e a importância do número 9 na mitologia da série.

A própria equipe de produção se esforçou muito para criar atrativos além da série em si no site oficial. A opção de oferecer os episódios para download para o público foi vista como um suicídio econômico por muitos. Por que alguém reservaria um horário pra ver na TV algo que poderia ser visto a qualquer momento depois de algumas horas? A estratégia era permitir que o espectador novo pudesse saber o que aconteceu antes e que o fã pudesse achar um novo sentido em antigos episódios a partir de fatos revelados nos novos, algo que anteriormente só era permitido em reprises ou no DVD. Como atrativo para o futuro DVD foram prometidos muitos extras, inclusive a versão original do piloto de 72 minutos com uma trama parcialmente diferente.

Ainda no site oficial, foi disponibilizado o blog do Hiro, justamente o personagem mais nerd/geek que se tornou rapidamente o favorito dos fãs. Desde o início da série, o site oficial também oferece HQs online, que não apenas revelam detalhes sobre certos personagens ou sobre momentos não-mostrados na série (como a fuga da prisão do DL), mas também foram o principal palco da personagem Hana Gitelman/Wireless. A moça israelense, a única a ter um "codenome" (ou seria um "nickname"?) além do vilão Sylar, pouco apareceu na série, mas teve sua vida contada nas HQs online do início ao fim (o que combina perfeitamente com a natureza dos poderes dela).

Outra ótima iniciativa foi a criação do Heroes 360 Experience, com falsos sites que criam um "universo expandido" da série. A lista inclui o perfil do Myspace da Claire e da Hana, o blog da Hana, o site sobre o livro escrito por Chandra Suresh, Activating Evolution, o site oficial do Corinthian Casino, o site da empresa Primatech Paper, o site de campanha de Nathan Petrelli e o site da Sociedade (ou Instituto, dependendo da tradução) Yamagato. Mesmo com um episódio por semana, esses "extras" mantiveram os fãs mais hardcore ocupados, mantendo o interesse na série nos diversos fóruns online.

A história

Quando Heroes começou, ninguém sabia pra onde aquilo iria rumar (talvez nem os roteiristas). Um plágio de X-Men, ou de Watchmen, ou um outro seriado cheio de superfreaks ou mistérios sem respostas. Essas eram algumas opções. E, realmente, demorou um certo tempo, mas acredito que Heroes conseguiu achar o seu tom ideal por volta do episódio 5, justamente o que contém a agora famosa mensagem do Hiro do futuro para Peter.

Uma das declarações dadas por Kring em entrevistas dizia respeito à escolha dos poderes dos personagens e dava pistas da real natureza da série. Segundo o criador, os poderes não derivavam da trama, mas do personagem. Dando o exemplo de DL, um personagem que estava preso por um crime que não cometeu, Kring pensou "o que ele faria se pudesse simplesmente sair andando através das paredes da prisão?". Então não foi algo do tipo "como esse poder ajuda a deter a bomba?", mas "que poder combina (mesmo que de forma irônica) com esse personagem?". Isso ajudou a definir Heroes como um drama, não uma série de ação. E isso faz toda a diferença na hora de construir expectativas sobre a série.

Outro ponto revelado por Kring: a série não teria "temporadas", e sim "volumes", para ressaltar a semelhança com uma saga literária. Para o criador, a mitologia desse mundo é mais importante que as tramas e ações passageiras, de forma que o primeiro volume não se chama "Genesis" à toa, ele realmente é apenas o início de uma história muito maior (já se falou num planejamento de 5 anos). O segundo volume, Generations, promete justamente mostrar a história de outras gerações de personagens com "habilidades especiais", inclusive os pais e filhos daqueles que vimos na primeira. Uma conseqüência desse "pensamento macro" é que se a história percorre décadas ou séculos (Kring falou em "milênios", mas isso deve ser exagero dele!), então é natural vermos a morte de personagens "principais". A princípio isso gera um clima estranho e um pouco desagradável de "ninguém está seguro", mas depois acaba dando aquele gostinho de acompanhar uma saga familiar por diversas gerações (e a família Petrelli é forte candidata a fio condutor).

Além dessas explicações off-screen, os próprios personagens deixavam claro que não haveria uma equipe de super-heróis de roupa colorida combatendo o mal (apesar da geração anterior ter feito uma tentativa nessa linha, o que provavelmente será mostrado em "Generations"). Mesmo assim, muita gente esperava algo diferente, o que nos leva ao polêmico episódio 23.

O episódio final

O final da temporada na realidade são os 3 últimos episódios. Cada um corresponde a um ato da narrativa clássica do cinema, o que explica porque no episódio 21 fica aquela sensação de que "não aconteceu nada", afinal aquele é claramente o primeiro ato, em que só se posicionam os personagens e se apresenta a situação. Na verdade, os 3 episódios poderiam ser vistos em seqüência como um único filme de duas horas.

Dito isso, vamos ao terceiro ato, o capítulo final, episódio 23. Chamei de polêmico ali em cima não por algum elemento controverso nele mesmo, mas pela reação do público e da crítica na internet no dia seguinte à sua exibição. Inicialmente, não entendi o motivo da decepção, já que adorei o episódio (apesar de algumas falhas visíveis, é verdade). Acabei buscando a explicação em dois filmes.

Corpo Fechado, a péssima tradução de Unbreakable, é o filme mais incompreendido de M. Night Shayamalan. O filme é uma grande homenagem aos quadrinhos de super-herói disfarçado de "suspense de ficção científica", na falta de um termo melhor. Mas o grande público (e alguns críticos!) quiseram ver nele um "suspense/terror sobrenatural", tendo como referência óbvia o filme anterior de Shayamalan, Sexto Sentido. Nada mostrado em Unbreakable, entretanto, justificava essa interpretação. Ou, falando de modo mais simples, as pessoas estavam procurando cabelo em ovo.

X-Men 3 é uma bosta! Lamento se você que está lendo gostou do filme, mas isso não está em discussão. Para o meu argumento aqui, X-Men 3 é um filme ruim a priori. Em relação aos filmes anteriores, a obra simplesmente apresenta outro clima, outro mundo, outra visão do conceito de "X-Men". Mas o fato é, muita gente (incluindo leitores de quadrinhos) adorou o filme. Quando perguntei o motivo, as respostas eram sempre variações de 3 pontos: o filme "diverte", "tem muita porrada" e "tem muitos efeitos especiais". Ou seja, o grau de pipoquice supera a necessidade de coerência da obra (seja com a direção, com o roteiro ou com os filmes anteriores).

Esses dois fenômenos contribuíram para a má recepção do season finale. A "Síndrome de Unbreakable" fez os espectadores imaginarem um final de natureza diferente do que a própria série indicava. A equipe de criação até fez uma episódio de som e fúria (o episódio 20), inclusive com referência a "Dias de um Futuro Esquecido", mas foi visivelmente um tipo de "what if", com um ritmo bem diferente do resto da série.

Já a "Síndrome de X-Men 3" afetou a expectativa do público, que queria que os Superamiguinhos se unissem contra o supervilão malvado, resultando em muita porrada, diversão, efeitos especiais e frases de efeito. Ainda bem que a síndrome não atingiu os roteiristas de Heroes (o mesmo não pode ser dito de Homem-Aranha 3, infelizmente). Se numa série como Smallville essa resolução até seria bem-vinda, o mesmo não pode ser dito sobre Heroes, um drama centrado nos personagens.

Muito foi dito sobre as possíveis maneiras de evitar a explosão além da que foi mostrada. Entretanto, em Heroes os roteiristas às vezes abrem mão do caminho mais lógico/simples/eficaz se isso render uma cena dramaticamente mais interessante. Isso geralmente resulta em um ato surpreendente, mas que ainda assim parece inevitável depois que acontece (algo que também acontece em Unbreakable). O final do "Volume Um", em muitos momentos, fecha caminhos abertos no primeiro episódio, caminhos que pareciam incertos e que agora parecem que eram óbvios desde o início. É impossível tudo o que foi dito sobre/por Nathan e tudo o que ele fez durante a série não ser visto de outra forma agora.

Aliás, as diversas leituras de cada cena conforme ganhamos mais informações sobre os personagens são sensacionais. Isso e o fato de ser uma obra que entrega o que prometeu no início (ao contrário de outras que só enrolam) fazem de Heroes uma das melhores experiências seriadas da cultura pop atualmente (mesmo competindo com HQs). Já estou guardando dinheiro pra quando sair o DVD.

Ass.: JP


Cheguei a começar este texto assim: "Diferentemente da tradição deste espaço...", mas então me dei conta de que apenas 3 posts não configuram aquilo que se convenciona chamar de tradição. O ano inteiro de gap desde o último post – motivos diversos para este "abandono" ter acontecido, claro - meio que reforça o ponto. De qualquer forma, o que queria dizer é que, diferentemente das outras ocasiões, desta vez não vou fazer um tratado da minha forma de ver o tema em questão. Tentarei ser mais curto e grosso; direto ao ponto (mais ou menos).

O fato é que minha opinião sobre Heroes já é meio conhecida, pois escrevi a respeito num dos blogs que gerou este espaço aqui. Resumindo, acho a série do cacete. É a melhor forma de trazer heróis para um folhetim american style. Acertaram em quase tudo até o episódio 22. Nada ou muito pouco foi possível falar de ruim a respeito da série até seu penúltimo episódio e, deste "muito pouco", tudo era circunstancial, sem importância crucial. Dizem por aí que números primos têm um significado nas coisas da vida um pouco mais importante do que costuma-se atribuí-los. Segundo Jim Carey, o número 23 é amaldiçoado e tal. "Série que é série vai até o 24", dizem as boas práticas e Jack Bauer concorda, senão ele te tortura. Bem, não sei em qual destes casos Heroes se baseou, mas o fato é que escolheu o número 23 para ser o oposto do que aconteceu até aqui. É o reflexo de tudo o que já disse. Negativo fotográfico. Neste episódio, nada ou muito pouco foi possível falar de bom a respeito e, deste "muito pouco", pelo menos até o início do segundo volume, tudo foi circunstancial. Graças aos céus que Lost excomungou o 23 e fez um ótimo fechamento de temporada.

Muito pode ser dito para tentar livrar o rabo da equipe que produz a série. Afinal, até Mr Calheiros, um dos papagaios, achou argumentos para sair ileso de questões bem mais embaraçosas. É um drama? Concordo. Ótimo drama. Os três últimos episódios eram um único ato? Concordo. Um crescendo muito bem executado. Onde está o crime então? Na síndrome de X-men? Improvável. O crime está no clímax mesmo.

Poderia enumerar as questões que fizeram-me torcer o nariz, mas vou fazer diferente. Vamos supor que no seu trabalho - sim, no seu, e certamente há - tem uma loira em outro setor com shape Jessica Rabbit. A gostosa tem um namorado desde que entrou na empresa. Com o passar do tempo, você conseguiu se aproximar o suficiente para mandar aquelas cantadas tão sutis que ela entende o recado e você se sente tendo passado a mensagem, mas, se alguém te acusar de estar cantando, pode facilmente negar. O tempo passa, a relação dela com o cara, como todas as outras relações íntimas, acaba dando uma azedada e tu, oportunista, continua ali tentando o impossível e deixando sempre a mensagem presente. Eis que o cara pisa na bola e a loura Rabbit te olha daquele jeitão "cara... é tua chance". Você a convida para sair, a leva até a Lagoa Rodrigo de Freitas (vocês de outros estados podem escolher um lugar pré-abate destes que a vítima não tem escapatória), escolhe um quiosque mais reservado, vai contando as mentiras básicas, aumentando os feitos, eliminando as derrotas, fazendo a menina ficar naquela expectativa. Então dá o bote, a arrebata, paga a conta, vai pro carro, faz os vidros embaçarem, gasta um verbo para levá-la para o motel logo na primeira noite (mulheres fenomenais tem alguma relutância quanto a isto se você não for o Rodrigo Santoro... só as comuns é que vão de cara para garantir o prato do fim de semana) e, chegando lá, você brocha. A mulher tem culpa em casar com o ex dela na próxima semana? Claro que não. Se você criou uma expectativa, tem que atendê-la. Ela poderia até te dar uma segunda chance para garantir o que tem, com possibilidade de sucesso, ao invés do duvidoso, figurinha repetida, e certamente falho. Só que você falhou, mermão... ah falhou!

Entendido o parágrafo anterior, afirmo que vou dar outra chance a Heroes sim, até porque não tenho opções nesta área, mas já fiquei com um pé atrás. A sorte de Tim Kring, no que se refere única e exclusivamente a este fã da série, é que nesta sexta (01/06), depois de ler a Pixel Magazine #1, resolvi baixar o episódio piloto de Global Frequency que nunca foi ao ar. Bem, a premissa de GF é infinitamente mais executável em formato de série do que Heroes. Precisa nem enfeitar muito, é só pegar exatamente o roteiro de Ellis que ganha de brinde storyboards prontos (Zack Snyder que o diga em 300). Não teriam como errar, mas erraram. E feio. Isto reforçou muito meu "afeto" por Heroes. Voltando à analogia da loura, seria como se, depois da brochada, ela encontrasse alguém ainda pior que fizesse a experiência contigo algo quase divino. Mas não erre de novo, não force a barra, pois ela pode virar lésbica. A sorte de Heroes é que eu não gosto de Grey's Anatomy ou de qualquer CSI.

Ass.: Fivo


Ah, a telecinésia. Ter este dom deve ser muito legal. Lembro quando assisti Uma Mistura Especial pela primeira vez, num verão qualquer dos anos 80. Fiquei meses tentando despertar a minha telecinésia adormecida só pra poder levantar a saia da cheerleader à distância, igualzinho ao carinha do filme. Só que naquela história, este poder se originou de um acidente químico. Talvez agora, com Heroes e seu darwinismo pop, ainda haja esperança pra mim. Mesmo porquê, minhas pretensões não ultrapassam cutucadinhas em um ou outro rabo-de-saia – simplicidade que passa longe do que Heroes propõe. Um dos personagens da série tem domínio sobre a telecinésia forte o suficiente para parar balas no ar – e o faz até com certa freqüência, safando-se de seguidos apuros. O problema são as questões ignoradas no processo, como a velocidade do projétil versus ação reflexa, p.ex. E o cara ainda se dá ao luxo de levantar uma das mãos antes que o chumbo lhe alcance o couro.

Mesmo com o aparente escorregão, a idéia da cena é legal, se você der um passinho pra trás e enxergar o quadro todo. Uma simples inversão de cortes na sala de edição teria resolvido (ele levantando a mão antes, sugerindo que seu poder estivesse agindo com a bala ainda no cano da arma, e o agressor disparando depois – A Fúria, de Brian De Palma, ainda é referência no assunto).

Com a mesma facilidade, poderia ter sido evitada uma série de outros talhos, tanto técnicos quanto criativos, que acabaram arranhando o brilho dos episódios e persistiram, heroicamente, até o fim desta primeira temporada. O grau de relevância destes talhos depende do critério pessoal.

Assim é Heroes.

Mercado é mercado. Como bem apontou o meta(eu)fórico amigo aí acima, o fato do produto estar em falta nesta mídia específica amacia a exigência do consumidor. E - ainda lá atrás pra captar o quadro inteiro - Heroes conseguiu manter a qualidade um tanto acima da média nestes parâmetros (cujos prospectos são tradicionalmente péssimos). Também arrendou um belíssimo elenco, motivado e disposto a se confirmar em cena e até, quem sabe, abocanhar aquele Globo de Ouro, pegando carona no hype das telesséries (chegou a ser indicado para a categoria Melhor Série Dramática e o simpático Masi Oka para Melhor Ator Coadjuvante).

O dono da idéia, Tim Kring, teve a boa sacada de adotar o drama como força motriz, conferindo peculiaridade ao projeto e, ao mesmo tempo, driblando orçamentos astronômicos típicos de cases MichaelBaynianos à base de ação e muito CG. O roteiro foi concebido em loop, algo sempre complexo de se estruturar sem sair dos trilhos ou resvalar na redundância completa. A primeira metade da temporada mantém uma estabilidade dramática de dar inveja aos X-Men do Brett Ratner. Chega a segunda metade e o temido loop se completa, como prometido. Mas em petição de miséria.

Lembro que no final do capítulo 11, antes do break, as únicas coisas que me incomodaram até ali foram a over nas gags do Hiro, a quase monotonia de alguns capítulos, onde a ausência de ação (física ou dramática) se fez sentir na pele, e uma grave negligência do roteiro que resultou numa Índia cujos habitantes falam inglês entre si - ao passo que a linha envolvendo o Japão ganhou um acabamento irrepreensível. Irregular é pouco. Do capítulo 12 em diante, tais falhas foram corrigidas, mas várias outras estrearam em uníssono, zunindo como uma sinfonia de grilos bêbados.

Ainda que se desconte que ninguém na série é brasileiro, classe operária e tem Clodovil como representante no Congresso, e considerando que as relações interpessoais de povos anglo-saxões são uma porcelana de tão sensíveis e intuitivas, é de lascar a ausência de catarse nos personagens de Heroes. Os únicos que perdem a cabeça na série - como todo bom ser humano - são desajustados (Isaac, Ted) ou vilões (Sylar). A passividade dos demais é impressionante. E o que são aquelas celas de contenção de superseres, sem alarmes ou um exército guardando o local 24/7?

Outra questão que se revelou muito problemática no decorrer dos capítulos é justamente em relação aos super-poderes dos personagens.

Durante os episódios 7 e 8, a agente do FBI Audrey Hanson (que, mais tarde, é descartada de forma absurda) e o policial telepata Matt Parkman prendem e interrogam Ted Sprague, cujo poder envolve manipulação de radioatividade. Durante todo o processo, os dois tomam várias medidas para se prevenirem contra a radioatividade do sujeito, que aparentemente não tem o domínio total sobre a mesma. Isso fica evidente no episódio 16, quando ele visita o túmulo da esposa e frita toda a grama do local só porque ficou deprimido. Depois disso, nem uma partícula radiativa sequer é despejada e ninguém é contaminado de fato, mesmo quando ele entra em colapso e emana energia descontroladamente.

Outro exemplo é quando Hiro (que pode controlar o continuum espaço-temporal, trocinho despropositalmente poderoso) confronta Sylar pela primeira vez. Neste ponto, o vilão colecionava telecinésia, precognição, manipulação molecular, memória fotográfica e super-audição, mas também demonstra ter controle sobre a temperatura, habilidade não registrada/justificada até então na série.

No episódio 20, em ritmo de elseworld, uma das cenas-chave é de ação e reedita, à beira do limite legal, uma seqüência do primeiro Matrix. A diferença é que a ação exigida (pra não dizer prometida) no contexto foi sumariamente evitada, na cara dura, como nem o fan-made movie mais constrangedor teria coragem de fazer, o que demoliu toda a credibilidade do momento.

Kring também apresenta dificuldades em desenvolver várias narrativas num só episódio. Principalmente na segunda metade da temporada, quando a maioria dos plots é colocada em delay para valorizar a evolução de dois ou três. Basta conferir o excelente capítulo 17, de longe o meu favorito na temporada, que fechou a visão periférica embaçada da série e focalizou uma única situação. Cheio de tensão, revelações, um final apoteótico e violento, e um epílogo emocionante. Ganhou um A+.

E o final.

Pelas dimensões sugeridas na conclusão, a Big Apple é um ovo. Qualquer um chega em qualquer lugar em menos de cinco minutos. Claire, p.ex, nunca esteve lá, mas não teve a menor dificuldade em se deslocar de um local para outro. Seguindo esta mesma linha, os desdobramentos da “grande luta final” foi um desfile de discrepâncias. Infantil, equivocado, anti-climático e, quando muito, sem a menor veia criativa. De repente, lembrei que X-Men 3 não foi tão ruim assim.

(Não existe inteligência militar monitorando tudo, nem agências de informação na terra da NSA? E porque ninguém fica detido no local de um crime?)

Também não queria estar na pele do Parkman quando este estava sendo levado - vagaroooosamente - para a ambulância com uns cinco tiros no bucho, sem respirador, contenção de hemorragia, nem aquela sacolinha pra transfusão de sangue, e ainda sendo atrasado por uma pentelhinha consternada. Não tenho formação como socorrista, mas tem algo errado aí.

Tim Kring tem pretensões muito acima do seu cacife, isto é certo. Ele privilegia a estética em detrimento da lógica, não atenta para tecnicalidades e nem prima pela originalidade, mas sabe construir premissas instigantes e tem timing para o crossover.

Se providenciarem uma equipe decente de revisores, tudo se acerta, pois o potencial da série é inegável. Principalmente agora, que o futuro voltou a ser indefinido.

Post scriptum: no capítulo 22, o garotinho Micah é presenteado com um calhamaço de revistas em quadrinhos. Pelas duas primeiras dá pra ver como Jeph Loeb continua modesto.

Ass.: dogg

segunda-feira, maio 01, 2006

ADAPTAÇÃO OU REPRODUÇÃO?


Há muito tempo atrás nem gastávamos tempo pensando em qualidade de adaptação de quadrinhos no cinema por saber que a condição sine qua non é que qualquer tentativa resulta em lixo, atentados contra o bom senso, dinheiro jogado fora ou algo do tipo e, nesta linha, não mereciam maior preocupação. Só que, de tempos para cá, não sei se por só recentemente terem desenvolvido efeitos especiais adequados, ou se devido ao amadurecimento dos roteiros dos quadrinhos, ou por simples crise criativa, a enxurrada de adaptações é impressionante. Ao invés da certeza de um resultado risível de antes, passamos então a ter outra preocupação: se aquilo que é adaptado está à altura do original impresso.

É um caso diferente do que acontece com os livros - mídia adaptada desde sempre - pois por mais paixão que possam criar, não é equiparada à paixão da legião - ou religião - dos seguidores de quadrinhos. Estes são bem mais xiitas e normalmente não aceitam alterações nas condições iniciais das obras - condições que nem sempre são cartesianas e que estão intimamente vinculadas ao "tipo" de história.

O mundo dos comics se divide em dois momentos bem distintos na sua forma de composição de narrativa e construção de roteiros. Antes e depois das Graphic Novels. Antes, tudo era bem mais despretensioso e as estórias eram seqüenciais com um personagem central, assim como os personagens clássicos de DC e Marvel. Depois, obras como Watchmen e V de Vingança nos apresentaram contextos diferenciados, com começo, meio, fim e uma (ou mais) idéias sólidas que precisavam ser passadas. Tivemos séries mais longas como Sandman e quetais, com arcos fechados, mas com publicações bem mais numerosas. A tendência não poderia parar por aí e a necessidade de dar corpo e cenários de gente grande chegou aos super heróis que também ganharam Graphic Novels. A diferença entre estes últimos e as obras de "Alan Moores" e "Neil Gaimans" da vida é que a característica fechada de suas obras os deixa protegidos contra o tempo, pelo menos no meio editorial. Os personagens clássicos não. Estes tiveram seus conceitos formados muito antes, lá quando ainda eram bem inocentes e sua criação admitia liberdades que o tempo ataca sem dó. As revisões a cada década são inevitáveis e, se no caso de Watchmen tudo é muito rígido e concreto, o passado conturbado de um Homem Aranha, por exemplo, deixa sua base meio flexível, coloidal, com pontas soltas e necessidades perenes de atualização com o mundo real.

Estes elementos nos definem então características bem claras e separadas quando surge a intenção de adaptação de um personagem clássico ou de uma Graphic Novel. No primeiro caso o roteirista se depara com aquela sopa de entulho que é o passado da personagem; quarenta anos de background - vários retcons em alguns casos - o deixa bem à vontade para brincar com o roteiro da adaptação. Basicamente, sua preocupação deve se resumir a encontrar o vilão com melhor empatia com público, escolher entre a fase infantilóide ou a adulta da personagem, garantir a existência de alguns elementos clássicos do passado e a única amarra existente e da qual não tem como fugir são as características mais básicas da constituição do arquétipo. Mesmo assim, eventualmente temos casos em que os dias de hoje impõem algumas alterações que, se quem assite não for um radical purista, serão bem vindas. Caso dos lançadores de teia do Peter e do Batmóvel de Batman Begins, por exemplo.

Seguindo esta cartilha, fica difícil dar algo errado. Avaliando a opinião pública, tivemos quatro fracassos claros de adaptações desta natureza, o que só aconteceu por não respeitaram o roteiro predefinido. Elektra, Demolidor, Hulk e Mulher Gato atiraram longe do alvo esperado pelo público (eu, particularmente, gostei da visão do Hulk por Ang Lee) e fracassaram.

Há então a outra linha de adaptações, aquelas que muita gente nem sabe que trata-se de algo baseado em quadrinhos. As principais são Estrada da Perdição, From Hell, Marcas da Violência, A Liga Extraordinária, Sin City e V de Vingança (nem vou mencionar Guardiões da Noite adaptando a Casta dos Meta-Barões... aquilo nem deveria existir). Os três primeiros não possuem tantos fãs quanto os três últimos, o que os tirou muito da avaliação comparativa do público e praticamente os conferiu status de filmes de roteiro adaptado, não necessariamente de HQ. Já as três últimas, crias de papas da 9ª arte, certamente colocaram a cara a tapa.

A Liga Extraordinária nem merece muitas palavras, pois errou tudo o que se propôs e fez a fúria de Alan Moore surgir com força, algo que já tinha dado seus primeiros sinais com sua desaprovação de From Hell. Sin City é um caso à parte. Não sei se posso considerá-lo uma adaptação, já que a linguagem é completamente diferente dos cinemas. É mais como se alguém tivesse preenchido os "delta t's" entre cada quadrinho da revista com os movimentos restantes dos personagens. Então, qual desenho animado, teria filmado os quadros em seqüência. Claro que gostei do resultado, até porque foi co-dirigido pelo próprio criador, mas as estórias eram curtas, sem maiores detalhes, até mesmo rasas - altamente "filmáveis", portanto.

Vem agora a obra que me fez escrever este post. V de Vingança. À época do lançamento do filme o Doggma postou sua visão no Black Zombie e a Dani oservou que, no seu ponto de vista, as adaptações de quadrinhos não recebem o devido respeito no cinema; são torcidas e retorcidas como bem entenderem os estúdios. Concordo com ela em uma série de casos, mas não em V. A revista original é a antítese de Sin City no que tange ao conteúdo. É denso, pesado. Se torcer a brochura escorrem idéias, contextos, mensagens. Como já dito, é uma obra fechada, mas escrita há mais de 20 anos e trata de uma sociedade futurista em relação à da época. Apesar da idéia ainda ser super atual, e sou daqueles que viu como algo decente transposição da essência da revista para as telas, alguns elementos satélites envelheceram e precisaram ser revistos. Neste caso, salvo alguns pontos (a tensão amorosa entre V e Evey, por exemplo), algumas alterações, desde que mantenham a essência, são necessária, benéficas e atualizam a obra.

Em breve teremos 300 de Esparta. Vem sendo tocado na mesma batida de Sin City, sendo que tem como base um cenário histórico pregresso, o que elimina a necessidade de revisões de elementos (por mais que Miller tenha errado na descrição de uma série de atributos da época). Entretanto, uma outra bíblia vem tendo sua adaptação povoando a teia de possibilidades da indústria cinematográfica. Watchmen. Assim como V, é prenhe de seguidores. Assim como V, é denso, pesado e explode em mensagens. Who watches de watchmen? é uma citação a Quis custodiet ipsos custodes? (Quem guarda os guardiões?) das sátiras de Juvenal (século II) e sua essência é tão atual quanto nossa sociedade insiste em mantê-la. Certamente haverá elementos cujas adaptações, tantos anos após, precisarão ser revistas para melhor ambientação e identificação com os dias atuais.
Pergunto: Em casos como este, onde a mensagem é extremamente importante, os elementos satélites podem ser readaptados para atualização da obra ou esta deve permanecer intacta? Se a revisão for para melhoria da ambientação em outra mídia e para outro público, isto constitui depreciação da obra original?

Ass.: Fivo


Adaptações... essa não. Questão passível de várias abordagens e nenhuma de fácil resolução, pois inclui-se aí o velho "probleminha" do gosto pessoal. Costumo sempre adotar o critério do Bom Senso nestes casos (superpoder que, entre outras coisas, confere a habilidade de ouvir John Coltrane no mesmo playlist em que constam Cannibal Corpse, Edith Piaf e Bezerra da Silva) - ou seja: informe-se antes, procure saber do que se trata e o mais importante... você pode até gostar de algo que seja uma merda, contanto que você saiba que é uma merda. Pronto, vá ser feliz.

Respondendo à pergunta, sim, eu acho absolutamente necessário que haja um cuidadoso trabalho de atualização. É uma forma até mesmo de preservar a importância da informação contida no texto original. É óbvio que há uma maior fluidez quando as analogias se encontram dentro de um contexto reconhecível para o observador. O caso de V é sintomático: é muito mais fácil entender uma referência a George W. Bush e seu protecionismo extremo do que a austeridade totalitária de Margareth Thatcher (até porquê, W. Bush é uma atualização viva de Thatcher, rs). Tirando os eventuais deslizes mainstream citados pelo Fivo, o filme conseguiu transpor o espírito do material com inequívoca competência (nota elogiosa extra: o que poderia ter feito dessa adaptação uma grande bomba, foi justamente o gol de placa - criticar a política predatória dos U.S.A. sendo que a narrativa se manteve no U.K.). Mas sempre existem os fãs ortodoxos, que não ligam se a história se passa num momento político já arquivado em nossa memória (ou na dos nossos pais, avós, etc). Assim como a inspiração era a Guerra Fria e seu futuro mais provável na época (os "futuros" também mudam!), V poderia se passar num futuro pós-Tratado de Versalhes, pós-Projeto Manhattan, pós-Crise de Cuba ou pós-Seleção do Telê Santana. Para os fãs xiitas isto não importa. Eles vão querer uma transcrição literal imutável, mesmo que não seja nada interessante para as novas gerações, ou que seja para ajustar o target contestador da obra para um cenário mais atual, colocando-o de encontro com os problemas de agora (antes que me esqueça, estes problemas também são atualizações dos velhos problemas). Chega a ser quase um serviço de utilidade pública.

A Liga: o diretor Stephen Norrington não agüentou o tranco que é dirigir Sean Connery. Explico. Certa vez, Alfred Hitchcock, para se defender do boato de que ele declarou que "atores são como gado", mandou esta: "Eu não disse que os atores são gado. O que eu disse foi: 'atores deveriam ser tratados como gado'". Quando perguntaram a James Stewart (amigo e ator de vários filmes do mestre) o que achava disso, ele falou: "Então ele é o melhor vaqueiro que eu já vi!" Ainda hoje isto se aplica. Independente da concepção original de A Liga ter sido ou não válida como adaptação de qualidade, o que prevaleceu foi a voz de Connery. O veterano ator mudou falas, cenas e até se aventurou pela sala de edição. E duvido muito que ele tenha lido a obra de Alan Moore. O resultado, claro, foi o pior possível. Pena, pois a premissa é riquíssima (personagens literários ganhando vida!) e a produção foi esmerada.

Quanto à natureza de uma adaptação, me valho da opinião do próprio Moore, que é contra releituras de suas obras, pois estas "são tão somente histórias em quadrinhos e foram concebidas como tal". Concordo pra poder discordar. Adaptações têm sim seu valor artístico, pois a possibilidade de crossover existe em todas as formas de Arte, e, em maior grau, nas não-"clássicas", como Cinema e Quadrinhos. Ao mesmo tempo (e sedimentando o pensamento do Moore), uma adaptação não tem a capacidade de transpor toda a informação contida no original. Dessa forma, jamais - repito: jamais - se poderia exigir fidelidade total. No máximo, que o espírito e a mensagem sejam preservados. Qualquer outro tipo de exigência não passa de utopia, e imagino que muitos por aí até hoje sonham com um longa de 120 horas adaptando O Senhor dos Anéis na íntegra.

Dito isto, podem me adicionar na lista-gama: somos 4 a gostar da adaptação de Hulk por Ang Lee. Por sinal, a estréia do Verdão nas telonas é uma das mais emblemáticas no escopo desse nosso debate. É o exemplo perfeito. O público cinéfilo pode até ter uma certa afinidade com o universo dos quadrinhos, mas a imensa maioria sequer imagina quem é James Howlett, p.ex. (ao passo que quase todo mundo conhece o Wolverine - isso é mais ou menos o padrão por aí afora). No caso do Gigante Esmeralda, calhou de o personagem ficar soterrado sob toneladas de referências defasadíssimas (o seriado dos anos 70) e de conceitos tão superficiais que beiram a total falta de conhecimento (ex.: "o Hulk é tão forte que é capaz de derrubar uma parede de concreto"). 90% dos espectadores nem imaginava que ele derrubaria essa parede com um cuspe. O diretor Ang Lee e os roteiristas James Schamus, Michael France e John Turman, foram tão fiéis aos quadrinhos quanto possível. E atualíssimos à cronologia! Durante décadas, o personagem só era um-cara-que-virava-monstro-quando-ficava-com-raiva, Mr. Hyde + Monstro de Frankenstein, travado. Só na fase Peter David, no final dos anos 90, é que ele ganhou contornos mais intrincados. Abuso infantil, psique reprimida e desordem de múltipla personalidade entraram com tudo dentro do contexto, tornando-o um dos personagens mais complexos e trágicos das HQs. Embora ricas, eram temáticas difíceis por natureza, pesadonas, pouco comerciais - e entraram no filme, quase que heroicamente. Como se não bastasse, a câmera contemplativa de Lee ainda faz links entre a evolução natural e o resultado final de uma evolução forçada artificialmente, em momentos tão sutis quanto um close em um fungo crescendo num pedaço de madeira.

Excetuando o descontrole do roteiro na relação pai/filho na reta final, Hulk foi um filme extremamente necessário para conferir, em uma primeira instância, a tão almejada credibilidade conceitual ao personagem (o Graal de qualquer roteiro que preste). Daqui em diante, já tá liberado: que venha a porrada!

Ass.: dogg


Resisti muito à tarefa/vontade/desafio de falar sobre a questão das adaptações em meus textos, mas agora que colocaram o tema pra jogo, não tem como evitar. Particularmente em V de Vingança, que gerou uma polêmica até então inédita na recente onda das adaptações de HQ (o que chegou mais perto disso foi justamente o incompreendido Hulk). Tendo a pergunta do Fivo como parâmetro (e ela é bem mais complicada do que pode parecer à primeira vista), é importante falar um pouco dos casos citados, pra mostrar que tem muita gente confundindo coelhos com laranjas (as duas imagens que ilustram o post são um bom exemplo disso).

Uma coisa que já falei lá no EQF na época do lançamento de Batman Begins, é que muita gente se confunde já no termo "adaptação de HQ", achando que isso é um gênero. NÃO É! Uma HQ, assim como um livro ou um filme, pode se enquadrar em diversos gêneros. Existe uma "escola" específica conhecida como "HQ de super-herói", predominante nos EUA, motivo pelo qual costumamos encaixar o termo comics nesse gênero (o que não é problema em textos não-específicos). As HQs de super-herói formam o grosso das adaptações por serem um excelente pretexto para o uso dos efeitos especiais mais recentes e pelo potencial de atrair multidões ao cinema (Homem-Aranha que o diga!), inclusive gerando o "filme de super-herói", que nem sempre é uma adaptação e que não está atrelado a nenhum gênero (temos Unbreakable como drama e My Super Ex-Girlfriend, o novo de Uma Thurman, como comédia, por exemplo), embora quase sempre fique no terreno da aventura/ação. Acompanharam até aqui? Beleza.

Dito isso, o que é uma adaptação? Pra que ela serve? Uma adaptação pega uma parte dos elementos de uma determinada obra cultural e transpõe para outra, fazendo as mudanças que os responsáveis por essa transposição acharem adequadas. Daí já podemos concluir que Sin City não é uma adaptação, como já declarou o próprio diretor, mas uma transcrição. A diferença entre as obras é a materialidade e a linguagem de cada meio (mesmo na linguagem, entretanto, não há muita diferença, pois a obra de Miller é assumidamente cinematográfica e Rodríguez fez o possível pra "congelar" os momentos-chave da obra. O único "trauma" perceptível da transposição é o som.). Adaptações passam pelo inevitável processo de cortar ou adicionar elementos para se adequar ao projeto do adaptador. Esse é um dado importante. Já a finalidade da adaptação é fazer dinheiro, diria um cínico, e ele não estaria errado. Mas podemos ser menos materialistas e dizer que o objetivo principal é possibilitar a fruição, em outro veículo cultural, de uma obra que apresentou, em seu veículo original, méritos que mereçam esse esforço de transposição. A adaptação seria então um reconhecimento à qualidade da obra original e, pode-se até dizer, uma homenagem. Esse é outro dado a se destacar.

A regra geral é dizer que a adaptação boa é a que mantém a essência do personagem/história original. Costumo evitar o uso da palavra essência, uma típica palavra cercada por significados e teorias muitas vezes contraditórios (outro exemplo é a onipresente palavra revolução). A essência aqui seria o básico, elemento necessário, sem o qual aquele personagem/história deixaria de ser ele mesmo e viraria outra coisa (engraçado que uma adaptação já é necessariamente outra coisa!). Podemos falar que o essencial é a base conceitual, mas aí vemos que isso não é tão fácil de se definir. Qual é o conceito do Batman? O herói que não mata? Então o personagem de Bob Kane, que matava sem remorso, não poderia ser chamado de Batman. Temos hoje a imagem do Batman milleriano como padrão, mas ele é apenas uma das possibilidades do personagem (o álbum Os Piores do Mundo e o crossover do morcego com o Planetary ilustram bem essa questão). Essa imagem é mais ou menos verdadeira que o Batman de Kane ou o justiceiro colorido do seriado dos anos 60? Se alguém que nunca leu os quadrinhos do personagem (como Joel Schumacher) nem viu o desenho da Liga da Justiça visse o seriado e depois visse Batman e Robin, não diria que é uma boa adaptação (não um bom filme, aí já é outra história), visto que a essência do personagem é "um homem com fantasia colorida que combate criminosos também coloridos num ambiente camp"? O que quero dizer é que a essência depende do referencial e super-heróis possuem vários. O que vai definir se um personagem foi bem ou mal adaptado é se as características que cada um de nós julga importantes foram mantidas ou não. Ouvi/li muita gente dizendo que "gostou" de X-Men, mas sentiu falta dos uniformes coloridos que "eram a essência dos personagens" (isso é mais comum entre os que conheceram os personagens através do desenho animado dos anos 90 e suas cores jimleerianas).

E no caso de V? Qual é o conceito dele? Será que dá pra manter uma "essência" dele em uma adaptação? Sinceramente, acho que não numa adaptação cinematográfica, talvez em uma adaptação literária. Isso porque V não é um personagem facilmente definível, mas sim um amontoado de personas em um único personagem. O próprio Moore declarou que o personagem conseguiu a proeza de concentrar várias de suas idéias que até então pareciam impossíveis de amalgamar (pra efeito de comparação, pensemos no Flash, que é simplesmente "o super-herói mais rápido do mundo" ou na definição clássica da DC em apenas quatro palavras: the fastest man alive). Um personagem tão complexo precisa ser simplificado pra funcionar no cinema. Se todas as suas facetas fossem mostradas em duas horas, veríamos um sério caso de múltipla personalidade, não um personagem coerente. Algo teve que ser cortado, algo teve que ser mudado. Ele virou outra coisa. Se essa representação faz justiça ao original ou não, é um julgamento pessoal que cada pessoa faz. Mas dizer que era possível ver o V original em duas horas de filme me parece algo muito ingênuo (ingenuidade inadequada em fãs tão ardorosos da obra de Moore) ou, mais provável, puro radicalismo de fanboy (ou "fã ortodoxo", segundo o eufemismo do Doggma. Quem disse que não existe fanboy culto?).

O caso das adaptações do personagem Noturno é emblemático desse processo de simplificação. O personagem original tem a aparência de um elfo (não-tolkeniano) misturado com um demônio (inclusive com cauda), possui poder de teleporte que o faz surgir como um demônio conjurado (com direito a enxofre e tudo), entretanto é um católico praticante, entretanto (2) é um sujeito galanteador e mulherengo (o que já lhe rendeu muitos problemas), trapezista de circo, exímio espadachim, fã de Errol Flynn. Possui iniciativa e liderança, mas pensa sempre no grupo, o que faz com que só tenha sido líder em equipes com ausência ou crise de liderança. Um personagem fascinante, grande parte mérito dos bons tempos do Claremont. Pois em X2, ele era uma figura extremamente religiosa, com aparência demoníaca, que sofria por essa combinação irônica. Em X-Men: Evolution, ele tem a aparência élfica (furry) oculta por um indutor de imagens (artefato que já existia nos quadrinhos, mas perfeito até o nome na analogia com a questão da aparência na adolescência) que permite que ele se sinta à vontade entre outros adolescentes, sendo inclusive o piadista paquerador dentro do seu grupo de amigos e elemento cômico da série. Em comum, os personagens possuem somente a agilidade e o poder de teleporte. Qual deles possui a "essência" do Noturno original? Os dois? Nenhum? O todo sem a parte não é todo? Depende do que você considera importante no personagem. É a tal "credibilidade conceitual" que o Doggma citou. Particularmente, gosto das duas versões, ainda mais pelo fato de ambas funcionarem muito bem nas suas respectivas obras.

Voltando ao aspecto da finalidade de uma adaptação, se ela se justifica pelos méritos da obra original, ela deve procurar valorizar esses créditos na nova obra. É o que Ang Lee fez em Hulk (sim, estranhamente [ou não] os três vigias gostaram do filme do verdão). Sobre esse filme, especificamente, o Doggma já explicou como ele escapou de ser um sub-godzilla nas mãos de um Michael Bay da vida. Acrescento somente que tenho a forte convicção de que o final que desandou teve influência do estúdio (a Universal, dos "filmes de monstro" e "filmes-catátrofe"), resultando em confronto físico o que deveria ser um embate psicológico. É só notar como durante todo o filme o pai velho, de aparência adoentada e andar meio corcunda tem uma presença muito mais assustadora/ameaçadora que o filho, força da natureza temperada por trauma de infância. Em um filme, muito mais do que em uma HQ, dificilmente o resultado final resulta de uma visão autoral, mas de um projeto resultante de muitas forças (a exceção são criadores como o citado Hitchcock). Por isso lá em cima afirmei que cortes e adições são decorrentes de um projeto, não de uma visão.

No polêmico V de Vingança, os criadores (McTeigue e os Wachowski, basicamente) fazem exatamente o que se propõe a ser feito em uma adaptação: levam para outro veículo o que eles consideram ser os principais méritos da obra. No caso, o filme que eles fizeram declara que o que eles consideraram mais importante na obra é a idéia de que pessoas comuns podem se libertar de governos opressores. Que governo opressor é esse, que pessoas são essas ou como a libertação é feita não importam tanto. V não é o centro ("a essência") do filme, como também não é o da HQ (apesar de ser protagonista de ambos e ser elemento físico e simbólico de coesão dos elementos da HQ). A humanização (no sentido pejorativo) de V, da qual tantos reclamaram, faz parte do projeto de transformar uma obra erudita em filme hollywoodiano. V não é tão importante quanto a história que conta e a idéia que representa. Os criadores da adaptação perceberam isso e foram corajosos, tanto ao levar um tema espinhoso para o mainstream (de novo!) quanto ao tomar tais liberdades em relação ao original. Se o resultado é ou não um bom filme, aí cada espectador que se decida.

Ass.: JP

sábado, março 18, 2006

QUEM QUER MANTER A ORDEM?

Todo mundo sabe que o mercado de quadrinhos de hoje não é mais o que era antigamente. O consumo caiu muito, não só aqui como em todos os pólos consumidores desta mídia. Certamente os mercados são modelados diferentemente, já que, se lá as revistas são separadas por estória/personagem, aqui o poder aquisitivo e público bem mais seleto força a existência de revistas aglutinando estes elementos segundo uma lógica qualquer e gostaria até de dizer que tal lógica preza a atenção ao consumidor e coerência entre personagens, mas na maioria das vezes parece-me conveniência comercial mesmo, o que gera aquela impressão que eu tinha quando comprava CD´s: compro um disco com 12 músicas por causa de 2 que eu gosto... as outras eu sou obrigado a adquirir.

O que temos então?

Revistas encalhadas, preços exorbitantes, completa submissão às vontades de editoras no que se refere a republicações, distribuição setorizada e, ato contínuo, redução de público alvo. Entramos na era da internet e, assim como o CD e os filmes, a indústria de quadrinhos também não percebeu que a revolução na relação fornecedor x consumidor foi muito além da oferta da possibilidade de compra online e disponibilização de previews (que gera o inequívoco backfire em outros países, onde o pessoal começa a se perguntar se devem mesmo esperar um ano ou mais para publicarem aquilo por suas bandas). Os novos mares da pirataria tornam-se um câncer para estas indústrias e tornam o controle dos downloads quase impossível. Eu mesmo resolvi que não dá para gastar 150 reais/mês com quadrinhos e restringi minhas compras a sagas/arcos especiais e encadernados. Com isto, a matemática simples me diz que, se os preços continuam aumentando e as pessoas baixam cada vez mais quadrinhos (cujos motivos podem ser a simples falta de dinheiro para bancar o luxo, por não aguentarem esperar publicar em solo nacional e/ou porque não querem pagar mesmo só para sentirem-se levando vantagem, ato que condeno), poucos estão pagando pelo uso de muitos - mais ou menos o que aconteceu com o preço do ingresso de cinema quando as meias-entradas tornaram-se regra.

Neste cenário, vejo a indústria de quadrinhos como algo a sofrer sérias mudanças em bem pouco tempo. Algumas das quais enumero abaixo:
  1. A oferta de quadrinhos pela web não será mais para entrega de um maço de papéis em casa. O internauta/cliente poderá escolher se quer o produto em casa ou se quer ler na tela mesmo, por valores diferentes, claro:

    ____1.1 - A opção de receber em casa não será tão rígida. Ao invés de receber um exemplar de Amazing Spider Man nº XX, o comprador poderá escolher em que papel será impresso (opções fornecidas pela editora, claro), se será a cores ou em P&B e se deseja mais obras junto com o produto até o limite de XX páginas por encadernado (e ainda podendo escolher a capa como uma das edições do encadernado ou uma personalizada segundo uma série de modelos à disposição;

    __________1.1.1 - O custo de impressão por demanda pode ser alto para uma publicação de 24 áginas, então quanto mais páginas o encadernado tiver, mais barato será o "pacote";

    ____1.2 - A opção para ler na tela não disponibiliza o arquivo, mas sim a visualização das páginas na tela por tempo indeterminado ou período estipulado (não sei se o mercado exigiria a diferenciação), sem possibilidade de download.
  2. Quadrinhos estáticos, apesar de não perderem seu espaço nunca (creio), já que há publicações que são verdadeiras obras de arte, começarão a dividir seu espaço com animações das histórias. Não sei se tornar-se-iam desenhos animados, mas certamente não seriam tão estagnados. A conseqüência natural disto é que, para os desenhistas de hoje produzirem a ponto de desenvolver micro cartoons, certamente a produção por unidade estaria bem inferior à de quadrinhos convencionais. Talvez isto seja bom para limitar um pouco a oferta àquilo que realmente vale a pena. Nos EUA a quantidade de comics é absurda, a maioria lixo instantâneo.

Vale lembrar que a possibilidade de animações nem é tão insana assim. Recentemente, no intuito de promover a vindoura saga Civil War, a Marvel fez este vídeo onde enumera os elementos que levaram até os eventos principais da saga. Claro, o vídeo é feito de uma edição dinâmica de imagens estáticas dos quadrinhos, mas ficou muito bom, mesmo que com ar de animação dos anos 70.

As conseqüências de um modelo destes, sem análise de mercado, claro, são:

  • A criação de um banco de dados de clientes até então impensável para as editoras. Neste banco teriam os gostos, histórico, o que o satisfaz e deixa de satisfazer, enfim, tudo o que a editora precisa para agarrá-lo com unhas e dentes e só largá-lo quando a terra o levar;

  • A necessidade de impressão de revistas por atacado seria consideravelmente reduzida, o que gera conseqüente redução de custo logístico (impressão, distribuição, recolhimento de refugos etc);

  • Foco na impressão daquilo que sabe-se que será consumido inteiramente na banca e, presume-se, por pessoas sem acesso à web;

  • Possibilidade, com os micro-cartoons, de amealhar novos leitores. Imaginem a possibilidade de presentear amigos e crianças - cada um no seu mercado - com um cartão com código de acesso temporário ao site. Se o presenteado gostar do que ver, temos um potencial usuário do serviço no futuro, além de um potencial leitor também, já que a produção nesta mídia certamente seria maior e daria os elos de entendimento que o cartoon não conseguiria oferecer. Vale lembrar que, pelo menos no Brasil, a maior dificuldade que a indústria de quadrinhos tem é conseguir criar novos leitores. O grosso desta caldo é o pessoal que começou a ler nos anos 80, o que é perceptível não no envelhecimento de quem segura uma revista na rua, mas nas histórias que a recheiam.

  • A interação entre editora e cliente é muito maior. Desta forma, o cliente passa a sentir-se parte do processo, o que é muito importante e o fideliza. A possibilidade de solicitar a impressão do que quiser, por exemplo, o tira das amarras do sistema se, por exemplo, ele quiser para semana que vem um encadernado de Watchmen na sua casa. E se, por acaso, não quiser flutuar de revista em revista para ler A Era do Apocalipse, ele poderá ter tudo num encadernado só. Claro, as editoras podem ofertar encadernados pré-formatados, dando a idéia ao cliente do que ele pode querer, o que gera demanda maior e reduz custos de impressão.

Bem... o mercado de HQ no futuro, para mim, é este.

Ass.: Fivo



Sempre arriscamos quando fazemos de um texto um exercício de previsão do futuro. Geralmente o futuro chega de um modo que jamais poderíamos imaginar. Quantos de nós acreditavam, em 1998, que o Google seria uma empresa que assusta a poderosa Microsoft?

Já ouvi muita gente dizer que a internet acabaria com as revistas em quadrinhos. Mas tempos atrás muita gente disse que a TV acabaria com o cinema (e com o rádio e com o jornal impresso também). A internet, então, por suas inúmeras possibilidades, parece ser a principal candidata a substituir muitas coisas. Já disseram que ela substituiria até o sexo, por incrível que pareça.

As revistas impressas vão acabar? Não sei, talvez sim, talvez não. Tenho meu palpite de como pode ser o futuro dos quadrinhos, mas sei que toda vez que tentamos enxergar além de nosso tempo, nós colocamos muito de nossos desejos (e nossos medos) nas previsões. O que apresento abaixo é, portanto, uma previsão tendenciosa.

A curto e médio prazo (digamos, nos próximos cinco anos), ainda acho que as grandes editoras (americanas) de quadrinhos ainda vão ficar perdidas e batendo cabeça sem conseguir se entender com a internet, como as gravadoras e os estúdios de cinema têm feito nos últimos anos. Editoras brasileiras (ou o mercado editorial brasileiro, porque podemos incluir aí também os livros, revistas e jornais) ficarão ainda mais tempo perdidas. Mas uma coisa é certa: a internet vai continuar servindo como veículo promocional, seja se forma mais subjetiva (a marca da editora, seus valores e opiniões), seja na intenção direta de venda (publicidade e amostra de produto).

Uma coisa que deve ser entendida é que as editoras de quadrinhos são empresas que vendem um produto físico: o gibi, feito de papel e tinta, distribuído fisicamente por veículos. Sem tocar na questão estética do papel como veículo (já que o Fivo centrou a discussão na questão mercadológica), a materialidade da revista faz com que as editoras estejam envolvidas numa relação simbiótica com empresas gráficas e de distribuição. Mudar ou não a natureza da empresa para que ela deixe de ser uma produtora de material e passe a ser uma produtora de conteúdo será o grande dilema das editoras nos próximos anos (décadas?), um dilema que as empresas jornalísticas já enfrentam há um certo tempo.

Passado esse primeiro período, temos as mudanças realmente significativas. Nesse contexto é importante separar o mercado interno e o externo. Começando pelos gringos, então.
  • As editoras dividem sua área de atuação, criando novas empresas para o novo tipo de conteúdo (não algo totalmente separado, seria algo como a Marvel Films, que tem a função de administrar a produção de filmes ligados à Marvel). Por exemplo, a Marvel.com (que pode ser definida como vitrine da editora física) continua existindo, mas surge a Marvel2web, com o conteúdo específico para internet.
  • O acesso ao conteúdo é pago, através de mensalidades ou micropagamentos (uma idéia defendida e utilizada já hoje por Scott McCloud, mas desacreditada por muitos outros webcartunistas), com previews gratuitos pros visitantes.
  • Ao fim de uma série de histórias (mini-série ou arco) seria dada a opção de compra do encadernado impresso com uma estimativa de preço baseada no potencial de vendas. Se o encadernado for encomendado por mais leitores que o previsto, o preço fica proporcionalmente menor. Se poucos leitores se interessassem, a editora manteria o preço estimado.
  • A editora tradicional faria os projetos autorais para um público selecionado. A diminuição do aspecto mercadológico e o afastamento dos fanboys ajudariam no reconhecimento desse tipo de quadrinho como obra de arte. O produto típico desse tipo de mercado passa a ser a HQ aclamada pela crítica e com baixas vendas, lançada em uma sessão de autógrafos com o autor.

No Brasil, o buraco será mais embaixo.
  • As edições de luxo serão cada vez mais freqüentes. Mesmo com o preço alto, as edições vendem bem e têm espaço garantido na mídia. Algumas das editoras atuais passam a publicar apenas esse tipo de HQ. Outras novas surgem, trazendo edições luxuosas de quadrinhos franceses e japoneses até então inéditos por aqui.
  • Quadrinhos infantis continuam sendo os mais vendidos e mais lidos. Por outro lado, o número absoluto de vendas cai e é cada vez maior o percentual de crianças e jovens que nunca leu uma história em quadrinhos. Apesar disso, o reconhecimento dos personagens de Mauricio de Sousa se mantém estável, graças ao merchandising, desenhos animados e vinhetas para TV e internet.
  • Os quadrinhos mainstream norte-americanos perdem cada vez mais leitores a cada aumento de preço, apesar da boa qualidade das histórias. Muitos dos leitores se tornam consumidores do conteúdo web norte-americano. Depois de alguns anos, se estabiliza uma base mínima de leitores de poder aquisitivo tão alto que não é afetado pelos eventuais aumentos.
  • O mercado começa a ficar mais segmentado, com editoras especializadas em conteúdo de fora, principalmente da Europa (inclusive oriental) e da Ásia, impulsionados pelo estudo crescente desse material em cursos universitários. Com variados graus de sucesso, esse mercado segmentado prolifera, porém somente na classe A.
  • Quadrinistas nacionais se reúnem em cooperativas e publicam seu material gratuitamente na internet. Alguns grupos chegam a publicar revistas bimestrais ou trimestrais, que vendem pouco mas conseguem espaço na mídia. As cooperativas falham economicamente, mas os principais autores são contratados por grandes multinacionais ou empresas de comunicação para fazer trabalhos na TV e na internet. Alguns deixam as cooperativas, outros sustentam o trabalho delas. O material continua gratuito porque ninguém se dispõe a pagar.
  • Alguns fãs reúnem material antigo e novo, nacional e internacional e começam a vender em esquema clandestino. Alguns denunciam a pirataria. As editoras parecem não ligar. A venda atinge somente as classes B, C e D.
  • A internet passa a ser, tardiamente, uma opção às revistas físicas. O consumidor paga por cada leitura e não tem o direito de guardar o conteúdo. As vendas de leitura são um sucesso, principalmente pela comodidade e segurança de não sair para comprar. Começam a surgir rumores de uma rede de leitores que teriam arranjado um jeito de burlar os sistemas dos sites e ler as revistas quantas vezes quiser.
Essas seriam as mudanças de mercado no futuro próximo (talvez uns 15 anos) na minha opinião. Não estou colocando em jogo a questão de conteúdo (o que talvez seja um assunto futuro aqui do AA). Tentei deixar em evidência a questão cíclica dos erros e acertos, tanto do lado dos produtores quanto dos consumidores. Em um olhar realista, não dá pra ser completamente apocalíptico ou integrado; a visão um tanto pessimista do mercado brasileiro é bem razoável, infelizmente.

É claro que os caminhos apontados são apenas uma possibilidade. Querem outra? Em uma linha:
Os mangás vão dominar todo o mercado de quadrinhos do planeta. Fim.

Ass.: JP



Ao ler a descrição desse novo formato comercial dos quadrinhos proposto pelo Fivo e analisado pelo JP, não pude deixar de lembrar que a própria Marvel mantém em seu site uma seção de leitura on line (em Flash, of course). Estão lá pratas da casa, como o Aranha, o Quarteto e o Hulk, ao lado de raridades velhuscas do Pantera Negra e hits de última hora (X-Men: Phoenix End Song). Interessante isto. Tenho por mim que é mais um teste avaliando o interesse público através da contagem de hit-pages do que um cafuné no leitor tradicional de revista em papel que estava navegando por lá à deriva. Aliás, eu diria que é este mesmo o ponto-chave: o tradicionalismo. Essa próxima geração (moleques de 10, 11 anos), apesar de muito mais familiarizada com mundão rái-téqui, ainda não deixou de lado velhos costumes, como ler as tirinhas de um jornal que o pai comprou, ao invés de ligar o computador para fazer isto.

Mas claro, é uma questão de tempo. Está provado que a mídia eletrônica vai devorar a impressa. Vide a revista musical Bizz, muito popular nos anos 80, sepultada pela ascensão da MTV no início dos anos 90 (hoje a revista ensaia um retorno, mas com trajetória errática e capenga, comercialmente falando). E isto em um comparativo papel-impresso/TV. Com a web é tudo ainda mais extremo e agressivo. A própria indústria da TV vai ter de rever seriamente seu papel (ops) no comércio de entretenimento. A Internet, criada como uma rede de comunicação do exército norte-americano, retoma suas raízes militares literalmente destruindo os concorrentes. Que ironia.

Voltando ao formato virtual das HQs, além do material disponibilizado pela Marvel (com algumas boas sacadas de visualização), também teve um semi-preview no dvd de extras do filme Batman Begins. Infelizmente não dá pra conferir nesta imagem estática, mas há uma certa dinâmica de leitura apoiada em pequenos elementos animados, como gotas de chuva caindo e chamas se movendo, além de alguns efeitos sonoros baseados na ação corrente (alternativa bem interessante às já exaustas onomatopéias). Em outras palavras, o produto já existe, assim como o seu nicho de mercado. Resta sincronizá-lo de acordo com a "evolução técnica" do consumidor - inclusive o velhinho ortodoxo que eu citei lá em cima, aquele que acha que revista boa mesmo é Super-Heróis Shell (ou Superman Em Côres) e que herói de verdade é O Judoka.

Que vai acontecer vai. Já está acontecendo. E somos talvez as maiores testemunhas brazucas no assunto (que honra!). Vide o RA, involuntária e imediata referência-mor por estas bandas.

As HQs nem me preocupam muito, são de fácil transição por natureza. E os consumidores vão se adaptar (o que não significa que eles gostarão de se adaptar...). Já os livros e os jornais impressos... serão agraciados com uma "morte lenta".

Deus me livre de morar em um planeta dominado pelos mangás (que me perdoem Katsuhiro Otomo, Kazuo Koike e Osamu Tezuka). Mas é bem provável que estes sejam os futuros sobreviventes dessa digitalização generalizada. Assim como os pocket-books e os pulp noir e faroeste sobreviveram às zilhões de instabilidades do mercado, os mangás (dados o baixo custo de produção e clientela calada, mas fidelíssima) são os candidatos mais promissores a continuar com os pés fincados no "mundo real", ainda que com um nada rentável status underground.


Ass.: dogg

sexta-feira, fevereiro 17, 2006

A Queda de Frank Miller



A foto aí em cima é do Frank Miller participando recentemente de uma exibição de Sin City. Já essa ilustração ao lado "parece ser" o Clark na capa alternativa de All Star Batman #4, que ele vem capitaneando (clique em cima pra aumentar se quiser, mas...).

Sério mesmo, não li nem uma linha sequer de All Star Batman e tenho um enorme receio de fazê-lo. Demorou horrores pra que eu me acostumasse a encarar DK2 como uma paródia aos padrões que ele mesmo criou (paródia esta nem tão eficiente assim, diga-se). Agora, a cada notícia do Newsarama, Silver Bullet ou Omelete a respeito de ASB é um arrepio percorrendo a espinha. Fora que o cara tá desenhando mal pra caceta. Não dá pra levar o traço atual dele como estilo. Parece preguiça mesmo. Logo ele, pra mim um dos desenhistas mais inteligentes, carismáticos, dinâmicos e, ao mesmo tempo, minimalistas da área (foi meu desenhista favorito por muito tempo... mas isso foi o quê? Desde 300?).

O fato é que Miller parece estar fazendo outra paródia dessa vez, mas da sua própria carreira. Tudo o que ele anda fazendo em relação aos quadrinhos pop que o consagraram parece vir acompanhado de uma extrema omissão de talento. É irônico. Sabemos que o cara ainda pode alçar vôos estratosféricos, que ele não sofre da senilidade criativa que acometeu, sei lá, o Chris Claremont, p.ex. (pobre Chris). O oposto imediato parece ser mesmo os seus projetos para o cinema, como a carreira promissora da adaptação de 300 e a esperada continuação de Sin City - ambas girando em torno de suas criações dentro da nona arte.

Então o caso de Frank Miller é o quê? Desdém pelas majors das hqs, uma provável crítica ao tradicionalismo dos super-heróis (ainda difícil de se readaptar aos novos tempos) ou é apenas o vil metal mesmo (e não estou falando do Dínamo Escarlate)?

Lembro que, na época do lançamento de DK2, Alex Ross, aquele patcha desenhista, deu uma entrevista criticando Miller por este só estar fazendo a continuação de DK pra comprar uma cobertura em New York com a grana. Lembro também que fiquei puto com o Ross por conta disso. Como sou tolo.

Ass.: doggma

Bom assunto. Creio que Miller é o tipo do cara que acertou na loteria ao ter idéias fantásticas para um dos personagens mais populares das histórias em quadrinhos. Criou um marco, um divisor de águas e deu vazão à criatividade com mais alguns personagens de apelo popular para, então, trocar de brinquedo, ou seja, tentar transformar histórias sem heróis em algo vendável, interessante, algo assim.

Neste momento o desenho já não era mais o brinquedo principal, afinal ele tinha um brinquedo novo e que exigia muito mais dele: o roteiro. E conseguiu novamente acertar na loteria! Brincou com História – sem muito cuidado, há que se dizer – com potencialização de elementos que permeiam questões da sociedade contemporânea, com um pouco de um e um pouco de outro dando cara de coisa nova etc. Virou um cara alternativo-que-dá-suas-canjas-nas-majors. Nesta época seu traço já estava descaracterizado, adquirindo um aspecto de “pouco cuidado” que à época poderia ser chamado de “estilo”.

Passou um pouco de tempo e o apelo mercadológico exigiu que o cara ressuscitasse algo que não precisava ser revisitado. Saiu algo sem alma, meio que cuspido, com o nível de qualidade no desenho abaixo até do que chamávamos de esboço – exatamente o que o Doggma falou acima. Só que nesta época Miller já vinha flertando há algum tempo com um brinquedo novo... o cinema. Teve alguns fracassos e tal, até que a oportunidade suprema surgiu e a abraçou com todas as forças. Sucesso! O que acontece então? O novo brinquedo é o assunto para se dedicar e, tal qual a galinha dos ovos de ouro inicial, um novo filme já está em produção seguindo a mesmíssima receita de bolo anterior.

Desenhar é algo que parece não ser mais seu principal foco – daí estas desgraças de hoje – e o roteiro há que ser com linguagem cinematográfica para que o novo brinquedo seja sempre alimentado. Pode ser que, no futuro, desenhar e escrever quadrinhos de heróis (ou não... não espero esta exclusividade de forma alguma) volte a ser seu brinquedo, como um ciclo que precisa ser fechado, um auto-desafio como quem tenta reproduzir aquilo no que já foi muito bom. Pode ser que não. Não o culpo. Já tive vários brinquedos... adorava o Genius, Comandos em Ação, Maximus etc, mas enjoava sempre e queria algo novo. Outro dia achei meu Maximus guardado... brinquei durante um bom tempo com ele. É o tal ciclo. É até natural.

Ass.: Fivo


Começo o texto (e minha participação nesse blog) com a letra C capitular só manter o padrão ABC (e pra ver se copiei direito o código dos prezados colegas). Mas vamos trabalhar! Antes de mais nada, o assunto é ótimo, mas a pesquisa foi péssima. Batman All-Star é ruim de doer e neste momento amaldicôo o doggma (seus filhos serão fãs de Jeph Loeb, desgraçado!) por iniciar o post que me obrigou a ler essa tranqueira.

Pra contextualizar, deixo dito: gostei de DK2. Concordei com as críticas que diziam que aquilo era o Miller rindo de si mesmo, parodiando o próprio estilo, dizendo pra esposa "pode zonear com as cores no computador, os leitores vão comprar mesmo!". E achei válido, naquele momento histórico, digamos assim, como o CT original também foi em sua época. Ambos são obras do oportunismo de Mr. Miller, a diferença é que a obra original ultrapassou (e muito!) o objetivo e atingiu o status de obra atemporal.

All-Star Batman é outra história. Por mais boa vontade que se tenha, por qualquer ângulo que se olhe, é uma obra lastimável. O Batman de All-Star é um esteriótipo (ruim!) de todos os personagens noventianos que tinham a mesma atitude bad guy do Bruce em CT. Dá a impressão de que a revista é escrita por um péssimo imitador de Frank Miller que ainda coloca diálogos quase (QUASE!) tão ruins quanto os de Jeph Loeb.

Uma coisa que quem não leu pode ainda não saber: é uma história do Robin. O ponto cronológico da história (apesar dela estar em completa contradição com qualquer cronologia) é a morte dos pais de Dick Grayson. A própria revista tem como título completo "All-star Batman & Robin - The Boy Wonder" e deram à logo de capa uma inclinação de forma que o nome do menino-prodígio ficasse bem maior que o do morcego. Isso talvez explique algumas das cenas/falas embaraçosas envolvendo os justiceiros. Talvez todas as demonstrações explícitas de admiração de Bruce/Batman por seu futuro pupilo sejam uma forma de tentar (desesperadamente!) convencer o leitor de que "sim, esse garoto é mesmo especial, por isso a história pode ser sobre ele!".

Também podemos ver isso como Miller tentando (e não conseguindo) fazer graça com toda a mitologia do Morcego, fazendo citações à suspeita relação da dupla dinâmica na série dos anos 60, bem como às incongruências dos filmes burton-schumachianos, passando pelo estilo "Eu sou o Batman. Eu sou foda." da Liga do Morrison. Outra teoria seria a de que Miller chutou o balde da (auto)paródia e está partindo pra operações de guerrilha quadrinística, como se dissesse "vou fazer uma história em 12 partes sobre o bucha-mirim, vou avacalhar com a imagem de um ícone de 65 anos, vou escrever mal, vou chamar um cara que desenha mal e mesmo assim essa porcaria vai vender pra caralho e vocês vão encher meu bolso de grana". É uma opção improvável, mas não impossível.

De qualquer forma, não tenham dúvidas. Miller está mesmo de olho em outras mídias e quadrinhos hoje são só um dinheiro fácil (pra ele, claro!). E NÃO COMPREM, NÃO LEIAM, NÃO CHEGUEM NEM PERTO de All-Star Batman. A revista é tão ruim que até o anúncio da ótima All-Star Superman que está nela consegue ser péssimo, com o infame trocadilho "Grant Expectations". ARGH!

Ass.: JP

domingo, fevereiro 05, 2006

COMEÇANDO OS TRABALHOS

Não tenho lá muita base para dizer isto, mas creio que, passado o deslumbramento do início da internet, o comportamento das pessoas que usam computadores diariamente é, na verdade, uma reprodução virtual - guardadas as diferenças dos meios - daquilo que praticam no real. Sendo assim, percebemos que, se separarmos temas ou comportamentos, por mais vasto que seja o mundo www acabamos tendo uma espécie de "bairrismo" revisado, com escapadas aqui e ali. Mais ou menos como pessoas com gostos comuns, que variam os bares onde curtem um bom papo segundo o humor, mas são sempre aqueles: o boteco onde falamos das novidades, o restaurante para um assunto mais sério, o bar mais arrumadinho para um papo cabeça e o barzinho perto do trabalho para escapar do cotidiano. Mais dia, menos dia, todo mundo acaba se conhecendo nem que seja "de vista".

No caso de assuntos recorrentes da cultura pop não é diferente, assim como suas subdivisões. Quando falamos de quadrinhos, filmes, livros e música (dependendo dos estilos) e buscamos isto na web acabamos por encontrar sempre as mesmas pessoas - pelo menos as que se manifestam - em uma quantidade relativamente reduzida de sites. Tem aqueles que querem saber das novidades dos quadrinhos e têm dois ou três endereços certos, dependendo do tipo de abordagem que esperam. Mas estes também têm aquele dia em que querem esgotar um assunto, esticar mais a conversa além do "cara... viu o que aconteceu hoje?". Outros tantos curtem dar uma chegada naquele "bar" onde podem encontrar mais dicas para conseguir produtos daqui e de fora, dando uma passadinha antes naquele espaço onde vemos e falamos das mulheres sem qualquer vigia, para depois terminar a noite naquele boteco que até pode ser mal arrumado, mas o papo é de amigo.

É aqui que surge a proposta deste espaço, na esperança da presença constante de amigos que tenham opinião, para debater de forma saudável e agradável sobre quaisquer assuntos que forem propostos nos próximos posts. A relação dos debates anteriores sempre ficará exposta no Black Zombie e no Ex-Quase-Futuro, sendo que pode ficar no blog que você quiser, contando que o debate possa continuar e o assunto sempre receba a contribuição da opinião de quem consegue, quer e deve expressá-la.