terça-feira, maio 29, 2007

HEROES: o balanço da primeira temporada


Depois de 23 episódios e muita falação sobre a série-fenômeno da temporada, terminou (pelo menos para os gringos e para os downloadeadores apressados) a primeira temporada de Heroes. Ou o "Volume Um", como o criador Tim Kring prefere chamar. (Aliás, também já começou o "Volume Dois"; volto a isso mais adiante.)

Agora que acabou a temporada, é hora da reflexão. Heroes apareceu na mídia como algo inovador, com indícios de que seria uma revolução no mundinho dos enlatados norte-americanos. Não foi pra tanto, mas a série ressaltou o aspecto extra-TV de uma forma jamais vista.

Além da TV

Antes mesmo de começar as filmagens, os produtores da série fizeram direitinho a lição de casa. Heroes é (assumidamente) conseqüência direta do sucesso de séries como Lost e 24 Horas, em que o espectador precisa acompanhar todos os episódios desde o início. Pela presença de Jeph Loeb e Greg Beeman na equipe, é possível considerar que Heroes também é filhote de séries como Smallville e Supernatural, com seu uso de efeitos especiais de forma rotineira (algo que afeta drasticamente a rotina de produção). Em entrevistas, a equipe sempre ressaltou que os erros e acertos dessas séries guiaram muitas de suas decisões.

Outro aspecto muito interessante é a relação dos criadores com a imprensa. Tim Kring deu ótimas entrevistas antes e depois de momentos-chave da série (após a revelação da identidade do verdadeiro pai da Claire, por exemplo), sempre informando/revelando detalhes (sem spoilers) que trazem mais significado à mitologia da série e mostram que tudo tem um motivo (uma lição aprendida com a falta de informações sobre Lost). O ComicBookResources, um dos principais sites de notícias de HQ nos EUA, fez uma coluna semanal chamada "Behind the Eclipse", apresentando perguntas e respostas com dois dos roteiristas (são oito ou nove no total). Ali, além de responder à dúvidas sobre o episódio da semana anterior, os roteiristas colocavam desafios aos leitores, como descobrir o nome do Bennet (quem viu o episódio final já sabe!) e a importância do número 9 na mitologia da série.

A própria equipe de produção se esforçou muito para criar atrativos além da série em si no site oficial. A opção de oferecer os episódios para download para o público foi vista como um suicídio econômico por muitos. Por que alguém reservaria um horário pra ver na TV algo que poderia ser visto a qualquer momento depois de algumas horas? A estratégia era permitir que o espectador novo pudesse saber o que aconteceu antes e que o fã pudesse achar um novo sentido em antigos episódios a partir de fatos revelados nos novos, algo que anteriormente só era permitido em reprises ou no DVD. Como atrativo para o futuro DVD foram prometidos muitos extras, inclusive a versão original do piloto de 72 minutos com uma trama parcialmente diferente.

Ainda no site oficial, foi disponibilizado o blog do Hiro, justamente o personagem mais nerd/geek que se tornou rapidamente o favorito dos fãs. Desde o início da série, o site oficial também oferece HQs online, que não apenas revelam detalhes sobre certos personagens ou sobre momentos não-mostrados na série (como a fuga da prisão do DL), mas também foram o principal palco da personagem Hana Gitelman/Wireless. A moça israelense, a única a ter um "codenome" (ou seria um "nickname"?) além do vilão Sylar, pouco apareceu na série, mas teve sua vida contada nas HQs online do início ao fim (o que combina perfeitamente com a natureza dos poderes dela).

Outra ótima iniciativa foi a criação do Heroes 360 Experience, com falsos sites que criam um "universo expandido" da série. A lista inclui o perfil do Myspace da Claire e da Hana, o blog da Hana, o site sobre o livro escrito por Chandra Suresh, Activating Evolution, o site oficial do Corinthian Casino, o site da empresa Primatech Paper, o site de campanha de Nathan Petrelli e o site da Sociedade (ou Instituto, dependendo da tradução) Yamagato. Mesmo com um episódio por semana, esses "extras" mantiveram os fãs mais hardcore ocupados, mantendo o interesse na série nos diversos fóruns online.

A história

Quando Heroes começou, ninguém sabia pra onde aquilo iria rumar (talvez nem os roteiristas). Um plágio de X-Men, ou de Watchmen, ou um outro seriado cheio de superfreaks ou mistérios sem respostas. Essas eram algumas opções. E, realmente, demorou um certo tempo, mas acredito que Heroes conseguiu achar o seu tom ideal por volta do episódio 5, justamente o que contém a agora famosa mensagem do Hiro do futuro para Peter.

Uma das declarações dadas por Kring em entrevistas dizia respeito à escolha dos poderes dos personagens e dava pistas da real natureza da série. Segundo o criador, os poderes não derivavam da trama, mas do personagem. Dando o exemplo de DL, um personagem que estava preso por um crime que não cometeu, Kring pensou "o que ele faria se pudesse simplesmente sair andando através das paredes da prisão?". Então não foi algo do tipo "como esse poder ajuda a deter a bomba?", mas "que poder combina (mesmo que de forma irônica) com esse personagem?". Isso ajudou a definir Heroes como um drama, não uma série de ação. E isso faz toda a diferença na hora de construir expectativas sobre a série.

Outro ponto revelado por Kring: a série não teria "temporadas", e sim "volumes", para ressaltar a semelhança com uma saga literária. Para o criador, a mitologia desse mundo é mais importante que as tramas e ações passageiras, de forma que o primeiro volume não se chama "Genesis" à toa, ele realmente é apenas o início de uma história muito maior (já se falou num planejamento de 5 anos). O segundo volume, Generations, promete justamente mostrar a história de outras gerações de personagens com "habilidades especiais", inclusive os pais e filhos daqueles que vimos na primeira. Uma conseqüência desse "pensamento macro" é que se a história percorre décadas ou séculos (Kring falou em "milênios", mas isso deve ser exagero dele!), então é natural vermos a morte de personagens "principais". A princípio isso gera um clima estranho e um pouco desagradável de "ninguém está seguro", mas depois acaba dando aquele gostinho de acompanhar uma saga familiar por diversas gerações (e a família Petrelli é forte candidata a fio condutor).

Além dessas explicações off-screen, os próprios personagens deixavam claro que não haveria uma equipe de super-heróis de roupa colorida combatendo o mal (apesar da geração anterior ter feito uma tentativa nessa linha, o que provavelmente será mostrado em "Generations"). Mesmo assim, muita gente esperava algo diferente, o que nos leva ao polêmico episódio 23.

O episódio final

O final da temporada na realidade são os 3 últimos episódios. Cada um corresponde a um ato da narrativa clássica do cinema, o que explica porque no episódio 21 fica aquela sensação de que "não aconteceu nada", afinal aquele é claramente o primeiro ato, em que só se posicionam os personagens e se apresenta a situação. Na verdade, os 3 episódios poderiam ser vistos em seqüência como um único filme de duas horas.

Dito isso, vamos ao terceiro ato, o capítulo final, episódio 23. Chamei de polêmico ali em cima não por algum elemento controverso nele mesmo, mas pela reação do público e da crítica na internet no dia seguinte à sua exibição. Inicialmente, não entendi o motivo da decepção, já que adorei o episódio (apesar de algumas falhas visíveis, é verdade). Acabei buscando a explicação em dois filmes.

Corpo Fechado, a péssima tradução de Unbreakable, é o filme mais incompreendido de M. Night Shayamalan. O filme é uma grande homenagem aos quadrinhos de super-herói disfarçado de "suspense de ficção científica", na falta de um termo melhor. Mas o grande público (e alguns críticos!) quiseram ver nele um "suspense/terror sobrenatural", tendo como referência óbvia o filme anterior de Shayamalan, Sexto Sentido. Nada mostrado em Unbreakable, entretanto, justificava essa interpretação. Ou, falando de modo mais simples, as pessoas estavam procurando cabelo em ovo.

X-Men 3 é uma bosta! Lamento se você que está lendo gostou do filme, mas isso não está em discussão. Para o meu argumento aqui, X-Men 3 é um filme ruim a priori. Em relação aos filmes anteriores, a obra simplesmente apresenta outro clima, outro mundo, outra visão do conceito de "X-Men". Mas o fato é, muita gente (incluindo leitores de quadrinhos) adorou o filme. Quando perguntei o motivo, as respostas eram sempre variações de 3 pontos: o filme "diverte", "tem muita porrada" e "tem muitos efeitos especiais". Ou seja, o grau de pipoquice supera a necessidade de coerência da obra (seja com a direção, com o roteiro ou com os filmes anteriores).

Esses dois fenômenos contribuíram para a má recepção do season finale. A "Síndrome de Unbreakable" fez os espectadores imaginarem um final de natureza diferente do que a própria série indicava. A equipe de criação até fez uma episódio de som e fúria (o episódio 20), inclusive com referência a "Dias de um Futuro Esquecido", mas foi visivelmente um tipo de "what if", com um ritmo bem diferente do resto da série.

Já a "Síndrome de X-Men 3" afetou a expectativa do público, que queria que os Superamiguinhos se unissem contra o supervilão malvado, resultando em muita porrada, diversão, efeitos especiais e frases de efeito. Ainda bem que a síndrome não atingiu os roteiristas de Heroes (o mesmo não pode ser dito de Homem-Aranha 3, infelizmente). Se numa série como Smallville essa resolução até seria bem-vinda, o mesmo não pode ser dito sobre Heroes, um drama centrado nos personagens.

Muito foi dito sobre as possíveis maneiras de evitar a explosão além da que foi mostrada. Entretanto, em Heroes os roteiristas às vezes abrem mão do caminho mais lógico/simples/eficaz se isso render uma cena dramaticamente mais interessante. Isso geralmente resulta em um ato surpreendente, mas que ainda assim parece inevitável depois que acontece (algo que também acontece em Unbreakable). O final do "Volume Um", em muitos momentos, fecha caminhos abertos no primeiro episódio, caminhos que pareciam incertos e que agora parecem que eram óbvios desde o início. É impossível tudo o que foi dito sobre/por Nathan e tudo o que ele fez durante a série não ser visto de outra forma agora.

Aliás, as diversas leituras de cada cena conforme ganhamos mais informações sobre os personagens são sensacionais. Isso e o fato de ser uma obra que entrega o que prometeu no início (ao contrário de outras que só enrolam) fazem de Heroes uma das melhores experiências seriadas da cultura pop atualmente (mesmo competindo com HQs). Já estou guardando dinheiro pra quando sair o DVD.

Ass.: JP


Cheguei a começar este texto assim: "Diferentemente da tradição deste espaço...", mas então me dei conta de que apenas 3 posts não configuram aquilo que se convenciona chamar de tradição. O ano inteiro de gap desde o último post – motivos diversos para este "abandono" ter acontecido, claro - meio que reforça o ponto. De qualquer forma, o que queria dizer é que, diferentemente das outras ocasiões, desta vez não vou fazer um tratado da minha forma de ver o tema em questão. Tentarei ser mais curto e grosso; direto ao ponto (mais ou menos).

O fato é que minha opinião sobre Heroes já é meio conhecida, pois escrevi a respeito num dos blogs que gerou este espaço aqui. Resumindo, acho a série do cacete. É a melhor forma de trazer heróis para um folhetim american style. Acertaram em quase tudo até o episódio 22. Nada ou muito pouco foi possível falar de ruim a respeito da série até seu penúltimo episódio e, deste "muito pouco", tudo era circunstancial, sem importância crucial. Dizem por aí que números primos têm um significado nas coisas da vida um pouco mais importante do que costuma-se atribuí-los. Segundo Jim Carey, o número 23 é amaldiçoado e tal. "Série que é série vai até o 24", dizem as boas práticas e Jack Bauer concorda, senão ele te tortura. Bem, não sei em qual destes casos Heroes se baseou, mas o fato é que escolheu o número 23 para ser o oposto do que aconteceu até aqui. É o reflexo de tudo o que já disse. Negativo fotográfico. Neste episódio, nada ou muito pouco foi possível falar de bom a respeito e, deste "muito pouco", pelo menos até o início do segundo volume, tudo foi circunstancial. Graças aos céus que Lost excomungou o 23 e fez um ótimo fechamento de temporada.

Muito pode ser dito para tentar livrar o rabo da equipe que produz a série. Afinal, até Mr Calheiros, um dos papagaios, achou argumentos para sair ileso de questões bem mais embaraçosas. É um drama? Concordo. Ótimo drama. Os três últimos episódios eram um único ato? Concordo. Um crescendo muito bem executado. Onde está o crime então? Na síndrome de X-men? Improvável. O crime está no clímax mesmo.

Poderia enumerar as questões que fizeram-me torcer o nariz, mas vou fazer diferente. Vamos supor que no seu trabalho - sim, no seu, e certamente há - tem uma loira em outro setor com shape Jessica Rabbit. A gostosa tem um namorado desde que entrou na empresa. Com o passar do tempo, você conseguiu se aproximar o suficiente para mandar aquelas cantadas tão sutis que ela entende o recado e você se sente tendo passado a mensagem, mas, se alguém te acusar de estar cantando, pode facilmente negar. O tempo passa, a relação dela com o cara, como todas as outras relações íntimas, acaba dando uma azedada e tu, oportunista, continua ali tentando o impossível e deixando sempre a mensagem presente. Eis que o cara pisa na bola e a loura Rabbit te olha daquele jeitão "cara... é tua chance". Você a convida para sair, a leva até a Lagoa Rodrigo de Freitas (vocês de outros estados podem escolher um lugar pré-abate destes que a vítima não tem escapatória), escolhe um quiosque mais reservado, vai contando as mentiras básicas, aumentando os feitos, eliminando as derrotas, fazendo a menina ficar naquela expectativa. Então dá o bote, a arrebata, paga a conta, vai pro carro, faz os vidros embaçarem, gasta um verbo para levá-la para o motel logo na primeira noite (mulheres fenomenais tem alguma relutância quanto a isto se você não for o Rodrigo Santoro... só as comuns é que vão de cara para garantir o prato do fim de semana) e, chegando lá, você brocha. A mulher tem culpa em casar com o ex dela na próxima semana? Claro que não. Se você criou uma expectativa, tem que atendê-la. Ela poderia até te dar uma segunda chance para garantir o que tem, com possibilidade de sucesso, ao invés do duvidoso, figurinha repetida, e certamente falho. Só que você falhou, mermão... ah falhou!

Entendido o parágrafo anterior, afirmo que vou dar outra chance a Heroes sim, até porque não tenho opções nesta área, mas já fiquei com um pé atrás. A sorte de Tim Kring, no que se refere única e exclusivamente a este fã da série, é que nesta sexta (01/06), depois de ler a Pixel Magazine #1, resolvi baixar o episódio piloto de Global Frequency que nunca foi ao ar. Bem, a premissa de GF é infinitamente mais executável em formato de série do que Heroes. Precisa nem enfeitar muito, é só pegar exatamente o roteiro de Ellis que ganha de brinde storyboards prontos (Zack Snyder que o diga em 300). Não teriam como errar, mas erraram. E feio. Isto reforçou muito meu "afeto" por Heroes. Voltando à analogia da loura, seria como se, depois da brochada, ela encontrasse alguém ainda pior que fizesse a experiência contigo algo quase divino. Mas não erre de novo, não force a barra, pois ela pode virar lésbica. A sorte de Heroes é que eu não gosto de Grey's Anatomy ou de qualquer CSI.

Ass.: Fivo


Ah, a telecinésia. Ter este dom deve ser muito legal. Lembro quando assisti Uma Mistura Especial pela primeira vez, num verão qualquer dos anos 80. Fiquei meses tentando despertar a minha telecinésia adormecida só pra poder levantar a saia da cheerleader à distância, igualzinho ao carinha do filme. Só que naquela história, este poder se originou de um acidente químico. Talvez agora, com Heroes e seu darwinismo pop, ainda haja esperança pra mim. Mesmo porquê, minhas pretensões não ultrapassam cutucadinhas em um ou outro rabo-de-saia – simplicidade que passa longe do que Heroes propõe. Um dos personagens da série tem domínio sobre a telecinésia forte o suficiente para parar balas no ar – e o faz até com certa freqüência, safando-se de seguidos apuros. O problema são as questões ignoradas no processo, como a velocidade do projétil versus ação reflexa, p.ex. E o cara ainda se dá ao luxo de levantar uma das mãos antes que o chumbo lhe alcance o couro.

Mesmo com o aparente escorregão, a idéia da cena é legal, se você der um passinho pra trás e enxergar o quadro todo. Uma simples inversão de cortes na sala de edição teria resolvido (ele levantando a mão antes, sugerindo que seu poder estivesse agindo com a bala ainda no cano da arma, e o agressor disparando depois – A Fúria, de Brian De Palma, ainda é referência no assunto).

Com a mesma facilidade, poderia ter sido evitada uma série de outros talhos, tanto técnicos quanto criativos, que acabaram arranhando o brilho dos episódios e persistiram, heroicamente, até o fim desta primeira temporada. O grau de relevância destes talhos depende do critério pessoal.

Assim é Heroes.

Mercado é mercado. Como bem apontou o meta(eu)fórico amigo aí acima, o fato do produto estar em falta nesta mídia específica amacia a exigência do consumidor. E - ainda lá atrás pra captar o quadro inteiro - Heroes conseguiu manter a qualidade um tanto acima da média nestes parâmetros (cujos prospectos são tradicionalmente péssimos). Também arrendou um belíssimo elenco, motivado e disposto a se confirmar em cena e até, quem sabe, abocanhar aquele Globo de Ouro, pegando carona no hype das telesséries (chegou a ser indicado para a categoria Melhor Série Dramática e o simpático Masi Oka para Melhor Ator Coadjuvante).

O dono da idéia, Tim Kring, teve a boa sacada de adotar o drama como força motriz, conferindo peculiaridade ao projeto e, ao mesmo tempo, driblando orçamentos astronômicos típicos de cases MichaelBaynianos à base de ação e muito CG. O roteiro foi concebido em loop, algo sempre complexo de se estruturar sem sair dos trilhos ou resvalar na redundância completa. A primeira metade da temporada mantém uma estabilidade dramática de dar inveja aos X-Men do Brett Ratner. Chega a segunda metade e o temido loop se completa, como prometido. Mas em petição de miséria.

Lembro que no final do capítulo 11, antes do break, as únicas coisas que me incomodaram até ali foram a over nas gags do Hiro, a quase monotonia de alguns capítulos, onde a ausência de ação (física ou dramática) se fez sentir na pele, e uma grave negligência do roteiro que resultou numa Índia cujos habitantes falam inglês entre si - ao passo que a linha envolvendo o Japão ganhou um acabamento irrepreensível. Irregular é pouco. Do capítulo 12 em diante, tais falhas foram corrigidas, mas várias outras estrearam em uníssono, zunindo como uma sinfonia de grilos bêbados.

Ainda que se desconte que ninguém na série é brasileiro, classe operária e tem Clodovil como representante no Congresso, e considerando que as relações interpessoais de povos anglo-saxões são uma porcelana de tão sensíveis e intuitivas, é de lascar a ausência de catarse nos personagens de Heroes. Os únicos que perdem a cabeça na série - como todo bom ser humano - são desajustados (Isaac, Ted) ou vilões (Sylar). A passividade dos demais é impressionante. E o que são aquelas celas de contenção de superseres, sem alarmes ou um exército guardando o local 24/7?

Outra questão que se revelou muito problemática no decorrer dos capítulos é justamente em relação aos super-poderes dos personagens.

Durante os episódios 7 e 8, a agente do FBI Audrey Hanson (que, mais tarde, é descartada de forma absurda) e o policial telepata Matt Parkman prendem e interrogam Ted Sprague, cujo poder envolve manipulação de radioatividade. Durante todo o processo, os dois tomam várias medidas para se prevenirem contra a radioatividade do sujeito, que aparentemente não tem o domínio total sobre a mesma. Isso fica evidente no episódio 16, quando ele visita o túmulo da esposa e frita toda a grama do local só porque ficou deprimido. Depois disso, nem uma partícula radiativa sequer é despejada e ninguém é contaminado de fato, mesmo quando ele entra em colapso e emana energia descontroladamente.

Outro exemplo é quando Hiro (que pode controlar o continuum espaço-temporal, trocinho despropositalmente poderoso) confronta Sylar pela primeira vez. Neste ponto, o vilão colecionava telecinésia, precognição, manipulação molecular, memória fotográfica e super-audição, mas também demonstra ter controle sobre a temperatura, habilidade não registrada/justificada até então na série.

No episódio 20, em ritmo de elseworld, uma das cenas-chave é de ação e reedita, à beira do limite legal, uma seqüência do primeiro Matrix. A diferença é que a ação exigida (pra não dizer prometida) no contexto foi sumariamente evitada, na cara dura, como nem o fan-made movie mais constrangedor teria coragem de fazer, o que demoliu toda a credibilidade do momento.

Kring também apresenta dificuldades em desenvolver várias narrativas num só episódio. Principalmente na segunda metade da temporada, quando a maioria dos plots é colocada em delay para valorizar a evolução de dois ou três. Basta conferir o excelente capítulo 17, de longe o meu favorito na temporada, que fechou a visão periférica embaçada da série e focalizou uma única situação. Cheio de tensão, revelações, um final apoteótico e violento, e um epílogo emocionante. Ganhou um A+.

E o final.

Pelas dimensões sugeridas na conclusão, a Big Apple é um ovo. Qualquer um chega em qualquer lugar em menos de cinco minutos. Claire, p.ex, nunca esteve lá, mas não teve a menor dificuldade em se deslocar de um local para outro. Seguindo esta mesma linha, os desdobramentos da “grande luta final” foi um desfile de discrepâncias. Infantil, equivocado, anti-climático e, quando muito, sem a menor veia criativa. De repente, lembrei que X-Men 3 não foi tão ruim assim.

(Não existe inteligência militar monitorando tudo, nem agências de informação na terra da NSA? E porque ninguém fica detido no local de um crime?)

Também não queria estar na pele do Parkman quando este estava sendo levado - vagaroooosamente - para a ambulância com uns cinco tiros no bucho, sem respirador, contenção de hemorragia, nem aquela sacolinha pra transfusão de sangue, e ainda sendo atrasado por uma pentelhinha consternada. Não tenho formação como socorrista, mas tem algo errado aí.

Tim Kring tem pretensões muito acima do seu cacife, isto é certo. Ele privilegia a estética em detrimento da lógica, não atenta para tecnicalidades e nem prima pela originalidade, mas sabe construir premissas instigantes e tem timing para o crossover.

Se providenciarem uma equipe decente de revisores, tudo se acerta, pois o potencial da série é inegável. Principalmente agora, que o futuro voltou a ser indefinido.

Post scriptum: no capítulo 22, o garotinho Micah é presenteado com um calhamaço de revistas em quadrinhos. Pelas duas primeiras dá pra ver como Jeph Loeb continua modesto.

Ass.: dogg